POSSO EXIGIR O PAGAMENTO DOS ÓCULOS AO EMPREGADOR?

A Diretiva 90/270/CEE do Conselho, de 29 de maio de 1990 veio estabelecer as prescrições mínimas de segurança e de saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor. O artigo 9.º da Diretiva dispõe que:

 
1. Os trabalhadores beneficiarão de um exame adequado dos olhos e da vista, efetuado por uma pessoa que possua as necessárias qualificações:
— antes de iniciarem o trabalho com visor,
— depois disso, periodicamente, e
— quando surgirem perturbações visuais que tenham podido resultar do trabalho com visor.
2. Os trabalhadores beneficiarão de um exame médico oftalmológico se os resultados do exame referido no n.º 1 demonstrarem a sua necessidade.
3. Os trabalhadores devem receber dispositivos de correção especiais, concebidos para o seu tipo de trabalho, se os resultados do exame referido no n.º 1 ou dó exame referido no n.º 2 demonstrarem a sua necessidade e os dispositivos de correção normais não puderem ser utilizados.
4. As medidas tomadas em aplicação do presente artigo não devem em caso algum ocasionar encargos financeiros adicionais para os trabalhadores.
5. A proteção dos olhos e da vista dos trabalhadores pode fazer parte de um sistema nacional de saúde.


A referido Diretiva foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 349/93, de 1 de outubro, que, no seu artigo 7.º estabelece o seguinte:

1 - Antes de ocuparem pela primeira vez um posto de trabalho dotado de visor, periodicamente e sempre que apresentem perturbações visuais, os trabalhadores devem ser sujeitos a um exame médico adequado dos olhos e da visão.
2 - Se os resultados do exame referido no número anterior demonstrarem a sua necessidade, os trabalhadores beneficiam de um exame oftalmológico.
3 - Sempre que os resultados dos exames médicos o exigirem e os dispositivos normais de correção não puderem ser utilizados, devem ser facultados aos trabalhadores dispositivos especiais de correção concebidos para o tipo de trabalho desenvolvido.


Uma vez que a Diretiva não define o que são, por um lado, os dispositivos de correção normais e, por outro lado, os dispositivos de correção especiais, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) analisou a questão, no seu Acórdão de 22 de dezembro de 2022, na sequência de um pedido de reenvio prejudicial enviado pelo Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia.

Em primeiro lugar, o TJUE entende que «dispositivos de correção», na aceção do artigo 9.°, n.° 3, dessa diretiva, devem ser entendidos em sentido lato, no sentido de que visam não só óculos mas também outros tipos de dispositivos suscetíveis de corrigir ou de prevenir as perturbações visuais.

Em segundo lugar, para o TJUE, constituem “dispositivos de correção normais”, na aceção do artigo 9.°, n.° 3, da referida diretiva, os que são usados fora do posto de trabalho e que, por conseguinte, não estão necessariamente relacionados com as condições de trabalho. Assim, tais dispositivos não servem para corrigir perturbações visuais relacionadas com o trabalho e podem não ter uma relação específica com o trabalho em equipamentos dotados de visor.

Em terceiro lugar, o TJUE entende que um "dispositivo de correção especial" deve necessariamente visar a correção ou a prevenção de perturbações visuais que um dispositivo de correção normal não pode corrigir ou prevenir. O caráter especial do dispositivo de correção pressupõe que este tenha uma relação com o trabalho com equipamentos dotados de visor, uma vez que serve para corrigir ou prevenir perturbações visuais especificamente relacionadas com tal trabalho e verificadas na sequência dos exames previstos no artigo 9.°, n.os 1 e 2 da diretiva.

O TJUE referiu ainda que os tribunais de cada Estado Membro da UE, enquanto órgãos jurisdicionais de reenvio, devem, em concreto, “verificar se os óculos graduados em causa servem efetivamente para corrigir perturbações visuais relacionadas com o seu trabalho em vez de perturbações visuais de ordem geral não necessariamente relacionadas com as condições de trabalho.

O TJUE concluiu, decidindo que: 
  • O artigo 9.º, n.º 3 da Diretiva deve ser interpretado no sentido de que: os «dispositivos de correção especiais», previstos nesta disposição, incluem os óculos graduados especificamente destinados a corrigir e a prevenir perturbações visuais relacionadas com um trabalho que envolve equipamento dotado de visor. Por outro lado, estes «dispositivos de correção especiais» não se limitam a dispositivos utilizados exclusivamente no âmbito profissional.
  • O artigo 9.°, n.os 3 e 4, da Diretiva deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de fornecer aos trabalhadores em causa um dispositivo de correção especial, prevista nesta disposição, que impende sobre a entidade patronal, pode ser cumprida quer pelo fornecimento direto do referido dispositivo por esta última, quer pelo reembolso das despesas necessárias efetuadas pelo trabalhador, mas não pelo pagamento de um prémio salarial geral ao trabalhador.

Deste modo, para que o trabalhador tenha direito ao reembolso dos seus óculos é preciso que alegue e demonstre, com exames médicos, que os óculos constituem dispositivos de correção especiais, isto é, que são especificamente destinados a corrigir ou prevenir perturbações visuais relacionadas com o seu trabalho que envolve equipamentos dotados de visor. Caso, pelo contrário, os óculos se destinem a corrigir a sua falta de vista em geral, o trabalhador poderá não ter direito ao reembolso.

Importa salientar que o caso que levou à prolação do Acórdão do TJUE tem especificidades que podem não se verificar em outras situações concretas. É que, naquele caso, o trabalhador alegou ter sido exposto, no âmbito do exercício das suas funções, à luz «visível descontínua», à falta de luz natural e a uma sobrecarga neuropsíquica e que sofreu uma forte diminuição da sua acuidade visual, o que levou o médico especialista a prescrever‑lhe mudança de óculos graduados e, mais especificamente, de lentes de correção. Ou seja, naquele caso, parece tratar-se de uma situação relacionada com um dispositivo de correção especial relacionado com a sua atividade em concreto.

Face ao exposto, caso exista um diagnóstico médico que ateste a necessidade de utilização, por parte do trabalhador, de um dispositivo de correção especial, que inclua os óculos graduados especificamente destinados a corrigir e a prevenir perturbações visuais relacionadas com um trabalho que envolve equipamento dotado de visor, à luz da interpretação do TJUE, os custos deverão ser suportados pela entidade empregadora. Importa ressalvar que estes «dispositivos de correção especiais» não se limitam a dispositivos utilizados exclusivamente no âmbito profissional. Por outro lado, já não deverão ser suportadas quaisquer despesas pelo empregador, sem que haja um exame médico prévio, que permita concluir que as perturbações visuais do trabalhador estão relacionadas com o seu trabalho, não se tratando de um problema visual geral.